Deixem-me cá recordar por palavras por onde é que nós andámos…
Então foi assim: saímos da minha casa já depois do meio-dia, num
Fiat 500 branquinho de que tínhamos acabado de tomar posse, apontando eu chegar antes do anoitecer ao Piodão. Pela estrada pequena. Pois, pois…
Passámos o Tejo pela ponte Vasco da Gama. Rodámos ao lado da albufeira de Montargil. Até que nos deu para parar no castelo de Abrantes. Por acaso assim aconteceu.
Alongámo-nos o tempo suficiente para admirar o horizonte e ala para a Sertã, a segunda paragem. Procurei pela dita que existiu um dia em formato gigante naquele jardim junto ao rio. Em vão.
O tempo piorou. A chuva resolveu abençoar a nossa jornada, que tinha começado com um sol radioso na capital. No Poço Corga, perto de Castanheiro de Pêra, ainda tentámos saciar uma fome que nos assaltou. Mas o lugar estava deserto de visitantes áquela hora. E como eu não gosto de comer numa sala vazia, adelante!…
A
serra da Lousã mostrou-se então um obstáculo demorado de ultrapassar. E a chuva intensificava-se. De modos que jantámos por aquela terra singela que dá o nome ás montanhas e dormimos na sua
Pousada da Juventude. Mesmo à altura das nossas necessidades.
Manhã cedo, sempre com chuvinha, rumámos finalmente a esse mítico destino, a aldeia do
Piodão. Cuja rusticidade não desapontou. Onde de resto dei um valente malho num caminho de pé posto que nos guiava para umas hortas. Mas isso não impediu que ainda fizéssemos uma de Indiana Jones na ponte suspensa sobre a ribeira na “
minha” Foz d’Égua.
A coisa mais parecida com um lugar para almoçar mais baratinho naquelas paragens foi um bar em Avô. Pertença de um casal de holandeses ainda novinhos.
Já que estávamos nas redondezas, tentou-se uma visita ao belo
Palace Hotel do Bussaco. Mas tive relutância em ter de pagar por atravessar a Mata Nacional de carro. E desisti.
Neste segundo dia não nos pudemos queixar de falta de água a cair do céu. Que foi sendo cada vez mais à medida que nos íamos aproximando da Invicta. Com alguma felicidade lá encontrámos alojamento num curioso hotel de charme, o
Castelo de Santa Catarina, na famosa rua do mesmo nome.
Lindo, mesmo lindo de todo, foi tomar o petit dèje num salão nobre daquela mansão típica da alta burguesia tripeira. Não só a minha saloíce se quedou embasbacada com a decoração interior faustosa. Outros viajantes doutras paragens mais habituados a luxos também tinham seus olhares de espanto.
Manhãzinha dedicada a uma voltinha a pé pelo centro do
Porto - má onda, a
Livraria Lello com a sua fachada entaipada para obras… - e no Fiat até ao
Castelo do Queijo - visita disponível quando o guardião da coisa lhe dá na plebeia telha, a partir das 13h - e
Rotunda da Boavista, com a sua
Casa da Música.
Pela tardinha abalou-se no intuito de cruzar a fronteira. Destino do lado de lá:
Salamanca. IP5 transformado em autoestrada. Com portagens electrónicas. Sacanagem!…
Mais difícil encontrar onde pernoitar em Espanha, sobretudo se se quiser algo central, p’ró barato e com lugar para el coche… Facto que levou á primeira séria desavença entre os viajantes. Momento absolutamente a esquecer.
Ânimos apaziguados pelo meio da manhã seguinte num tour a pé pelo casco viejo. Plaza Mayor e Catedral de Salamanca, como pontos obrigatórios. Inevitável a lusitana sensação de pequenez perante as dimensões da histórica arquitectura e da sua boa conservação.
Atacou-se a
carretera para
Madrid pouco depois do meio-dia. O que nos permitiu uma paragem mais demorada nas muralhas de
Ávila. Aprazível, a travessia da Sierra de Guadarrama. E a chegada à confusão da grande metrópole ibérica bem antes do pôr do sol.
Confusão essa de que se resolveu fugir passado pouco mais de uma hora rodando por ruas caóticas. Onde além do mais era praticamente impossível estacionar.
Toledo pareceu-me um bom plano B. Pura ilusão!… Não dá para contar com a nossa sorte para se encontrar um quartinho num hostal naquela imponente
ciudad. Ainda mais sexta à noite!…
Com a ajuda do Booking.com lá ficámos no
hostal Centro, bem perto do
Alcázar.
Habitación barata mas que implicou uma surpresa bem desagradável com o nosso carro. Lição aprendida a duras custas. Em Espanha não dá para ser um turista amador. Tem de se conhecer mesmo muito bem como fazer as coisas.
Hesitei entre três possíveis passagens da fronteira: Monfortinho, Segura ou Marvão. A primeira era-me desconhecida. A segunda tive receio de mais alguma surpresa, não fosse a ponte romana de Alcantara estar fechada à travessia por carros. A terceira pareceu-me a menos arriscada. E por esta fomos. Em boa hora.
Em
Marvão, por flagrante contraste com a árdua experiência anterior em Toledo, foi chegar, ver e vencer.
Foi descobrir num instante a
Casa da Árvore, bater à porta e abancar. Com estacionamento fácil junto a esta casa de hóspedes de alojamento local mas com os mesmos mimos de um bom hotel. Isto sem falar ainda na nobreza do edifício antigo, na magnífica vista a cerca de 800 mts. de altitude dominando a meseta espanhola e a planície alentejana, na absoluta tranquilidade do local e na inexcedível simpatia do sr. Joaquim Manuel e sua esposa, uma boa
expert em chás.
Finalmente a promessa do espectáculo dum pôr do sol foi cumprida a dois com real prazer. E prazeiroso foi também um jantar de potato chips caseiras regado a sidra das Astúrias, sentados no chão de pedra duma varanda, olhando um céu cheio de estrelas.
Prazer que continuou uma vez mais presente na manhã seguinte, na segunda volta a pé pelas muralhas de Marvão e pelos nossos pézinhos refrescados nas águas da
praia fluvial do rio Sever, na
Portagem, ali bem perto, bem cá em baixo.
Publiquei em tempos um
post sobre
praias fluviais que tem sido, sobretudo quando o estio debuta, dos mais lidos neste
blog. Mas como vemos estas praias em Portugal quase todas na região centro, à da Portagem escapou-se-me qualquer referência. E nem vejo que seja ainda também muito referida em guias turísticos
online.
Melhor assim, talvez. Um segredo que continuará quase só meu, das gentes de Marvão e de uma mão cheia de bravos espanholitos que atravessam a fronteira só para lá se banharem.
Isto é mesmo um pequeno paraíso perdido. Se me fosse possível escolher assim, era já aqui em Marvão e nesta mui acolhedora Casa da Árvore que eu queria ficar a viver por um largo período de tempo, ou quiçá até ao fim dos meus dias.
Creio que haverá porventura neste mundo algo melhor para este desiderato. Mas eu ainda não o conheço.
A realidade clamou no entanto por ocupar o lugar do sonho na minha mente. Inadiável regresso a Lisboa se impunha. Não sem antes passar por
Évora, para a obrigatória visita à
creepy Capela dos Ossos.
Queria fazer a estrada via Estremoz. Mas a minha orientação traiu-me e quando estava perto de
Gavião, para não adiar muito a restauração de forças e ânimos, tive de parquear à beira dum café no largo donde partem os autocarros, quais
shuttles que tiram os locais daquele buraco para fora. Repasto um pouco surpreendentemente bem agradável, este…
Lá se alcançou antes das 18 horas
Évora por uma rota que cruzou
Ponte de Sor,
Avis,
Pavia e
Arraiolos. Com um ligeiro
stop, tipo
touch and go, no
Oásis Parque de
Galveias.
E depois do
Templo de Diana, a trivial estrada nacional rumo à capital, travessia do Tejo em
Vila Franca de Xira. Chegada à zona oriental de Lisboa, à
torre Vasco da Gama, ainda ao lusco-fusco.
E assim foi.
Lisboa - Piodão - Porto - Salamanca - Ávila - Toledo - Marvão - Évora - Lisboa. Um curioso Magical Mystery Tour. Uma amostra interessante, algo concentrada no tempo e no espaço, de salpicos da Península Ibérica. Quisera eu repetir um dia este tour - várias vezes até, se fora dum modo profissional -, talvez mesmo em versão enlarged ou extended, porque não?... ;-)