sábado, 13 de junho de 2015
• Um desejo chamado eléctrico
Uma premiére na minha curta carreira de décor ambulante: nesta passada quinta-feira, a seguir ao dia de Portugal, participei como figurante no meu primeiro anúncio publicitário.
Anúncio esse que não vai ser exibido cá. É para uma marca de produtos alimentares paquistanesa, a Shan Foods, para a sua gama de especiarias, condimentos e arroz Masala. Um pequeno filme em que Lisboa é protagonista. Realizado por uma pequena equipa de técnicos e actores paquistaneses, apoiada pela Southwest Productions, uma produtora portuguesa.
A retirar desta experiência nova uma aventura singular. Que foi a oportunidade de viajar de amarelo da Carris durante várias horas duma tarde de quase véspera de festas dos santos populares.
Foi uma quinta-feira, como já disse, ainda não era sequer princípio de fim-de-semana. Mas foi logo a seguir a um feriado. Nesta semana passada, os lisboetas não pareciam marcar muito a sua presença nas ruas desta cidade. Mas os estrangeiros, sim.
O nosso eléctrico, carregadinho de técnicos tanto quanto de actores, partiu das garagens da Carris em Santo Amaro. Para fazer vários percursos até ao Largo da Graça e voltar. Uma vezes com câmeras no interior, outras no exterior do eléctrico. E neste último caso, devido á geografia urbana, com o eléctrico a passar a escassos centímetros de janelas ou varandas do casario do nosso casco viejo ou de automóveis estacionados à la tuga, existiram paragens forçadas de dez em dez metros, para não bater com a câmera neste obstáculos e recolhê-la para dentro do nosso bólide.
Ocasiões houve em que causámos grande perturbação ao normal fluir do trânsito da capital. Durante uma boa meia-hora, em hora de ponta, chegou-se mesmo a cortar a todos os outros veículos a travessia da Calçada de São Francisco, uma bonita subida em curva, muito cénica, desde a Baixa em direcção ao Chiado.
Em que andámos a brincar de filmar vários takes, que obrigaram o eléctrico a subir e a recuar uma meia-dúzia de vezes. E todos nós a sentirmo-nos os donos do pedaço. A pôr toda uma cidade parada, ao sabor dos nossos caprichos e a polícia ao nosso serviço e dispôr. Que nem estrelas de Hollywood*!…
E não foi apenas por este corte de rua á grande e à francesa que nos sentimos como stars du cinéma. Também ficámos com o ego todo inchado quando as hordas de turistas a pé pelos estreitos passeios se apercebiam que nós estávamos dentro do amarelo a sermos filmados e ficavam embasbacadas a tirar-nos fotos.
Embora o nosso emprestado transporte público rolasse com todos os lugares sentados ocupados e um ou dois de nós em pé, nada se comparava aos outros eléctricos que conosco se cruzavam ou nos seguiam atrás, cheínhos de camones que nem sardinha em lata!… E quando tínhamos de parar lado a lado, era ver as carinhas de inveja que punham em relação à nossa situação, que éramos como que nababos privilegiados.
Melhor do que nós só se sentiriam talvez aquela élite de visitantes forasteiros que se dividiam em pequenos grupos viajando em tuk-tuk’s. Porra, que há tantas destas pandeiretas hoje em dia em Lisboa!… Puta que os parou, aos tuk-tuk’s!!!… Praga do inferno, que imagino deve chatear tanto a molécula aos taxistas, bem assim como aos restantes cidadãos auto-mobilizados…
Enfim, apesar de pequenas peripécias foi todo um dia bem passado e a durar até ás tantas. E aonde até tivemos a ventura de almoçar numa manjedoura algo queirosiana, a sala de refeições do Hotel Borges Chiado, ali entre o café A Brasileira e a pastelaria Benard. Só que o catering foi providenciado por pessoal da Southwest e não pela briosa cozinha do hotel… E o jantar foi uma bifana, que não era nada de Vendas Novas, para dizer o mínimo.
Mas valeu. Fui revisitar uma bela faceta da minha cidade-natal, praticamente como na pele dum turista de luxo. E ainda sou pago por isto. Não sei se alguma vez mais irei ter a chance de viajar de eléctrico com nesta produção cinematográfica. Mas que o desejo, sim. Tomei-lhe o gosto. Era rapaz para só fazer isto até ser bem velhinho.
E compreendo hoje um pouco mais o fascínio que Lisboa anda a exercer nos últimos tempos junto de quem nos visita. Haverá muita gente que bem pode dizer quando volta para o seu lar, doce lar, que já foi muito feliz sob o céu, a luz e o ambiente desta menina e moça do Tejo. Muitos sorrisos em rostos exóticos se vislumbram pelas nossas ruas e praças tirando selfies.
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* No caso presente, deveria ter escrito antes Bollywood… Com direito a música a condizer e tudo. E sempre a bombar, enquanto o eléctrico galgava metro a metro, à laia de pequenas conquistas territoriais, quilómetros de ruelas estreitas já pela tardinha a tresandar a sardinha assada, entre Alfama e a Graça.
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